A vida na garrafa
 



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A vida na garrafa

Julio Dias


Lembrava-se que no início teve que seguir por onde lhe era indicado, e que depois foi condenado à liberdade.

Que entrou por um caminho andando rápido, com a pressa dos que fogem do fracasso. Seguiu assim, escolhendo um rumo que era meio o que queria e meio o que era possível.

Quando percebeu, havia se metido por uma ladeira que levava ao topo, de onde é possível ver o que ficou pra trás, sem saber o que virá pela frente. Dobrou a força e subiu no mesmo ritmo.

De repente estacou diante de um muro que parecia intransponível.

A incerteza era como uma corrente que o prendia ao chão.

Errou ao longo do muro, sem perspectiva. Chegara até ali com as verdades e com as mentiras inscritas nas palavras que iam desenrolando o novelo em labirinto da memória que continha a realidade do transcurso. Não podia voltar. Tinha que seguir.

Foi quando a distração de catar coisas no chão e jogá-las no muro, fez com que percebesse que poderia estar na areia da praia catando conchas e atirando-as ao mar, contando tudo o que já veio e continuava a vir no poema épico da sua vida; e que poderia navegar.

Como bom marinheiro, traçou o plano de sua carta e ganhou o mar. Navegando o seu romance sobre o tempo das águas sem fim, descobriu que ele mesmo é que contou tudo isso, com outra voz que existe fora dele.

Depois de ler, enfiei de novo o papel dentro da garrafa, afundei firme a rolha no seu gargalo e a devolvi ao mar.

O escrito é apócrifo. Seu autor talvez seja eu, ou você.

 

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